Por: Maria Thetis Nunes (UFS)
Felisbelo Firmo de Oliveira Freire (1858-1916) é o mais destacado nome da historiografia sergipana. Natural de Itaporanga, integrou a primeira turma do Atheneu Sergipense, fundado em 24 de outubro de 1870, formando-se em Medicina em 1882, pela Faculdade da Bahia.
Talento multifacetado, impôs-se como médico dedicado e estudioso, jornalista combativo e ardoroso, músico exímio no piano e na flauta, embora tocasse vários instrumentos, político de idéias avançadas para o seu tempo, parlamentar atuante, ministro da Fazenda e, interinamente, das Relações Exteriores do governo de Floriano Peixoto. Projetou-se, sobretudo, como historiador, legando-nos uma das mais importantes obras históricas do seu tempo.
Foi abolicionista e propagador das idéias republicas em Sergipe, idéias que defendia desde os bancos acadêmicos. Em 1888, em Laranjeiras, onde clinicava, com Josino Menezes, Baltazar de Góis, Serafim Vieira de Almeida, entre outros, lançou o Manifesto Republicano, seguindo-se a fundação do Partido Republicano. Suas idéias eram divulgadas através dos jornais locais: o Horizonte, o Laranjeirense, o Republicano.
Impressiona-nos como um homem envolvido em atividades múltiplas, como viveu Felisbelo Freire, tenha realizado, dentro dos limites da época, as pesquisas que serviram de embasamento às obras históricas que escreveu.
Suas obras marcadas pela grande formação humanística e filosófica que possuía, são influenciadas pelas doutrinas do determinismo geográfico e do evolucionismo em voga na época. Nota-se, porém, que já o fato social o preocupava, aparecendo destacado em suas interpretações históricas.
Em 1891 publicou a História de Sergipe, que o tornaria, no dizer de José Calasans, o pai da historiografia sergipana. Como ele afirma no prefácio, não contara com “o recurso de obras já escritas sobre Sergipe, tendo necessidade de um trabalho paciente e longo na busca de manuscritos e documentos em seus cartórios e arquivos, compreende-se que me foi preciso muito trabalhar, para oferecer ao público esta modesta obra.
As dificuldades que lutei, em seis anos de pesquisas, foram inúmeras, e muitas vezes, confesso-o, quis desistir do meu plano.
E se não fora o auxílio e animação de amigos, por certo não levaria avante meu projeto”.
Abrangendo a formação sergipana, desde seus primórdios até a mudança da capital da vestuta cidade de São Cristóvão fundada nos idos de 1590 por Cristóvão de Barros, para o povoado de Santo Antônio de Aracaju, a História de Sergipe constitui-se até hoje, na única interpretação, em conjunto, da evolução histórica de Sergipe. Torna-se necessário uma edição revista, onde possam ser anotados enganos, só possíveis de serem evidenciados com as atuais pesquisas feitas, principalmente nos arquivos portugueses.
Elaborou Felisbelo Freire um ambicioso plano de escrever a História Territorial do Brasil, em cinco volumes. Lamentavelmente, só foi possível o primeiro, abrangendo Espírito Santo, Bahia e Sergipe. Nesse estudo da formação territorial sergipana, publicado em 1906, percebe-se que o autor já evoluía, quanto ao método e à orientação filosófica, em relação à História de Sergipe, publicada 16 anos antes. Urge dos poderes públicos a reedição desse livro, hoje obra rara, para que os atuais estudiosos da história sergipana possam nele buscar importantes informações.
Há outros livros históricos de Felisbelo Freire, de grande importância, destacando-se a História Constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil, em três volumes, permitindo-nos conhecer os começos da vida republicana brasileira, em que, no momento a Constituição ocupa a atenção dos brasileiros, está despertando interesse, recebendo referências constantes. Ainda destacam-se, entre seus livros, a História do Banco do Brasil, Os portugueses no Brasil, História da Revolução de 6 de novembro de 1893, da editora da Universidade de Brasília, além de muitos amigos inseridos em revistas e jornais.
Preocupado com a educação da juventude, escreveu a História do Brasil, para uso das escolas públicas do Rio de Janeiro, destacando-se o método didático empregado.
Foi Felisbelo Freire um autêntico intelectual do seu tempo, integrou a plêiade de estudiosos da realidade brasileira, dentro das correntes sociológicas e filosóficas que a Europa nos enviava intelectuais que procuravam encontrar as raízes autênticas do Brasil, abrindo caminho para afirmação do nacionalismo literário e artístico eclodido após a Semana de Arte Moderna de 1922.
Ao lado de Capistrano de Abreu, Sílvio Romero, João Ribeiro, Euclides da Cunha, Alberto Torres e outros, pela obra legada no campo da História. Felisbelo Freire está entre os intelectuais precursores do nacionalismo na interpretação da realidade brasileira.