MEMÓRIA LITERÁRIA I

De Cabritos e Mata-fome

Nos anos 90, quando visitava meus avós em Itaporanga (morei uns poucos anos em Salgado), a paisagem urbana da cidade sempre me encantava. Cabritos e Mata-fome se espalhavam por todo lugar. A árvore estava em todas as ruas e era a diversão da garotada. Tirar o Mata-fome exigia habilidade que só o astuto menino Itaporanguense conseguia ter. As técnicas eram variadas. Uns usavam paus retirados de alguma outra árvore próxima, mas havia a desvantagem de desmontar o fruto. Havia os que usavam pedras, e estes também não podiam garantir a integridade do valoroso fruto cor de algodão doce. Os meninos maiores conseguiam se atrepar nos pés de Mata-fome e estes eram os donos das espécimes mais graciosas, as que valiam muito no mercado das carteiras de cigarro.
Mata-fome, aliás é nome moderno. Falávamos na época Morta-fome. Isso porque o consumo da doce fruta era muito comum entre a garotada, que as revezava entre mangas, goiabas e manjelão. Cada fruta tinha a sua temporada e cada temporada tinha suas peculiaridades: pegar manga era tarefa coletiva e exigia habilidade que a caça ao mata-fome não exigia. Por outro lado, para trocar por "notas" de Derby azul ou de Hollywood só mesmo um bom exemplar da frutinha doce de caroços pretos.
Os cabritos eram diversão à parte. Sempre em bando - não me lembro de ver alguém tangendo-os - disputavam com as crianças as frutas caídas do pé e a sombra que as copas faziam. O "bé" ouvido entre um beco e outro podia ser tanto do bichinho como de alguma criança arteira querendo pregar uma peça no amigo. E decifrar a entonação era coisa muito importante, sobre pena de levar uma boa carreira dos bandos de cabritos espalhados pela Roosevelt Menezes e Rua da Bica.

As crianças brincavam de tirar esse belo fruto cor de algodão do pé. Depois, se juntavam para comê-las e jogar bola (não necessariamente nesta ordem). Os cabritos da minha lembrança estavam em todas as ruas, mas recordo bem deles entre a Roosevelt Menezes e a Rua da Bica, lugar onde Toinho do Caçuá, meu avô, residia. O campinho era uma grande depressão que havia entre a Rua da Jaqueira e Pedro Almeida Valadares, que acabara de ser construído. Uns anos depois, quando voltei a morar na cidade, a depressão ainda existia. Ir para a escola era uma grande aventura, pois era preciso passar por dentro da depressão (um meio círculo), até chegar ao outro lado, que ficava próximo ao cemitério. Não é preciso dizer as imagens que essa paisagem geravam na mente de uma criança de sete anos. Itaporanga, cabritos, Mata-fome, a grande depressão e o temível cemitério e suas lendas urbanas.
Essas imagens fisgam a nossa nostalgia interior, e revelam que há em nossas veias pigmentos do orgulho itaporanguense.

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